Sinceramente... A luta é maior do que se imagina.
Como pode
alguém incluir uma série de equívocos numa só frase? Bom... A pessoa que
escreveu isso aí conseguiu. Não me refiro a ela ser a favor ou contra
cotas. É uma opinião dela. Respeito, embora ache algumas justificativas,
verdadeiras aberrações, como a frase feita que diz: “Isso é preconceito
ao contrário”. Santa estupidez né?!
Mas voltemos à frase!
Eu li e me perguntei: “Como assim ‘passagem de volta pra África’”?
Talvez ela não saiba (Por isso escreveu tanta besteira numa frase só)
que negros e crioulos (africanos e brasileiros) não precisaram estar em
solo africano para serem escravizados. Foi em solo brasileiro mesmo. Eu
não precisaria “voltar”. Já piso todos os dias onde pessoas foram (e
são) escravizadas, estupradas, excluídas e chicoteadas rotineiramente.
Aí me perguntei de novo: “Como assim ‘passado que nem viveram’”? Eu
vivo isso todos os dias. Eu sou açoitado todos os dias. Sou excluído
todos os dias. Escuto piadas todos os dias. Sou colocado à margem da
sociedade todos os dias. Sou reflexo de uma abolição onde as pessoas que
se tornaram livres foram obrigadas a pedir para voltar para as terras
onde foram violentadas de todas as formas, porque a abolição chegou
amputada. Jogaram os ex-escravizados nas ruas, disseram: “Te vira” e
ainda pediram indenização, quando o correto seria o contrário.
Eu sou a parte da sociedade que ao longo destes quase 130 anos de
“abolição”, foi levada a buscar primeiro, a informalidade ou o emprego
onde se paga miséria e é preciso engolir, pela falta (imposta) de
perspectiva. Fui condicionado a outro tipo de escravidão e imposições ao
longo da história desse país. E isso não é um discurso de “coitadinho”.
É um fato.
Será que a mocinha da frase conseguiria me informar
os motivos do preconceito e do racismo contra negros? Basta que ela
explique o porque essa segregação no Brasil. Eu vivo SIM, a época das
correntes e dos troncos. E não é porque escolhi. Eu vivo isso porque os
senhores de engenho continuam chicoteando. E a mocinha (que bem notamos
traços diferentes do que ela afirma ser no pouco que conseguimos
enxergar por trás do papel onde está a frase absurda) demonstra total
ausência de essência e de conhecimento sobre o que se vive no Brasil.
Não apenas pelo passado que ela acha que não alcançamos. Mas pelo
presente que é o reflexo de um país onde um dos maiores matadores de
negros da nossa triste história (Duque de Caxias), é visto como herói da
sociedade. Patrono da Nação. Mas a mocinha talvez nem saiba quem foi
José do Patrocínio. Talvez não tenha ouvido falar de Carolina Maria de
Jesus... Ou Auta de Souza... Ou Joaquim Nabuco... Ou José Mariano...
Cito pessoas que, independente da pigmentação na pele, lutaram. Seja
pela liberdade de pessoas escravizadas. Seja pela autoafirmação. Cada um
no seu momento. E hoje essa luta continua. E não podemos sequer
cochilar, senão os flagelos aumentam. De cada 3 pessoas que são
assassinadas nesse país, duas são negras. E a mocinha vem dizer que não
vivemos a história da escravidão?
Vivemos num país onde o ex-presidente Fernando Henrique Cardozo, ao citar seu lado “afro” disse “eu também tenho um pé na cozinha”. Em poucas palavras ele demonstra onde, na visão dele, é o lugar do negro e da negra na sociedade. Isso não é teoria da conspiração nem neurose. Até porque nem foi dito por mim. E a mocinha vem dizer que não vivemos a escravidão?
Lembro
agora do que se falava de Machado de Assis. Pela sua qualidade, era
chamado pela burguesia de “negro de alma branca”. Aí pergunto de novo: A
mocinha vem me dizer que não vivemos a escravidão?
Talvez ela se
ache uma negra de alma branca... E nesse caso, confesso que, em parte,
concordo com ela. A alma branca dela, é a alma dos brancos que
segregaram e segregam.
Nunca vou baixar a cabeça para os muros
que são erguidos na nossa frente. Até porque as pessoas escravizadas não
desistiram um só minuto de sua liberdade. Comigo não seria diferente.
Porque continuamos vivendo no calabouço.
André Agostinho/DIRETOdosMANGUEZAIS
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