Ao mesmo tempo que é um orgulho falar de ZAINAB, uma heroína desconhecida, é terrível percebermos o quanto é perigoso viver nesse mundo.
Vamos aos fatos:
Em 2012 no Quênia, a experiente parteira Zainab teve que realizar um parto difícil, mas corriqueiro em sua história. O cordão umbilical estava enrolado na cabeça da criança e tudo teria de ser feito com cautela mas ao mesmo tempo de forma rápida e criativa. Então ela teve uma ideia: usar uma colher de madeira para desenrolá-lo. Deu certo!
No entanto, ao cortar o cordão umbilical, percebeu que a criança tinha os dois órgãos: masculino e feminino. Hoje chamamos de intersexual.
Ao ver o bebê, a mãe ficou inconsolável. E o pai então, ordenou que Zainab matasse a criança. A parteira argumentou. Disse que a criança era uma criatura de Deus e que não poderia ser morta. Mas ele queria que a matasse.
Foi então que surgiu a ideia: Ela pediu para deixarem o bebê ali, que assim que eles saíssem, ela o mataria.
Então, Zainab resolveu criar a criança como se fosse filha dela. E não foi fácil, porque o pai procurou Zainab várias vezes para garantir que ela tinha matado o bebê. E ela sempre o escondia, confirmando que havia feito o "serviço".
Só que em 2013 eles souberam que o bebê estava vivo e foram tomar satisfações. Acabaram aceitando a condição, desde que Zainab nunca dissesse quem eram os pais. Ela, evidententemente, concordou.
Mas viver com uma criança intersexual em várias comunidades do Quênia é perigoso. Porque muitos acreditam que é mau presságio. Que atinge toda a família e até quem mora próximo, com maldições.
Zainab sabia que estava comprando briga com crenças muito fortes no país. Qualquer problema, seria perseguida, julgada e condenada por todo mal que ocorresse em sua comunidade.
Mas o desafio iria aumentar: Em 2014, a parteira ajudou mais um segundo bebê intersexual a nascer.
Dessa vez a mãe foi sozinha ter a criança. E quando viu, simplesmente fugiu.
Outra vez, Zainab levou o bebê para casa e o criou. Então veio outro desafio: o marido, que era pescador. Ele não gostou sa ideia.
Quando a pescaria era ruim, ele colocava a culpa nas crianças. Dizia que era praga.
Até que um dia ele sugeriu que sua esposa entregasse as crianças para que ele pudesse afogá-las no lago. Ela negou veementemente. Aí começaram as brigas constantes. Ele foi ficando cada vez mais violento. Zainab, então, preocupada com o rumo que tudo tava tomando, decidiu separar-se do marido e levar as crianças. Ela fugiu para não acontecer o pior. Apesar da vida financeiramente confortável que tinha com seu marido, e já ter filhos e netos, ela sabia que a vida das crianças estava sob ameaça.
Atualmente, os filhos adotivos de Zainab estão saudáveis e felizes.
Ela teve de reconstruir sua vida. E conseguiu. Apesar de ainda fazer partos quando necessário, Zainab vive do comércio de roupas e sandálias.
Assim ela falou:
"Nós nos alimentamos bem e consigo ver que elas são crianças normais. Nós conversamos, a mais velha ajuda com as coisas de casa e meu filho as trata como irmãos. Eles são minha família e é um milagre de Deus."
E conclui:
"Eu sou mãe delas. Elas são seres humanos e eu tenho que cuidar das criaturas de Deus".
Zainab é uma iluminada no meio de tantas atrocidades que possivelmente ainda ocorrem nos vilarejos mais remotos de algumas comunidades do Quênia, onde os partos com parteiras ainda é muito comum, e as crenças sobre as tais maldições ainda são muito fortes.
Conta-se que quando o bebê intersexual nasce fora dos hospitais, ainda é grande (embora mais escondido) o número de casos de assassinatos dessas crianças.
Ainda dentro do que se fala sobre o assunto, as parteiras diziam que elas (as crianças) haviam "quebrado a batata doce". Referência dada ao uso de uma batata doce dura para quebrar e danificar o cérebro frágil e delicado desses bebês.
Então elas já diziam aos pais que as crianças haviam nascido mortas.
Profissionais da saúde vivem em intensa campanha de conscientização para combaterem o infanticídio.
As vitórias vêm sendo colhidas. Mas não é fácil enfrentar e quebrar o tabu religioso de uma sociedade seja ele qual for.
Por isso, Zainab é uma grande guerreira! Heroína anônima que derrubou muros e correu riscos em defesa da vida de duas pessoas que tiveram a chance de viver por causa da sua bela decisão.
A luta segue! E a vida também!
André Agostinho
*Imagem Ilustrativa
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