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A Revolução Pernambucana

terça-feira, 15 de setembro de 2015

MARCHA DO EMPODERAMENTO NEGRO



















Acompanhei a MARCHA DO EMPODERAMENTO NEGRO por dois motivos: O primeiro, pela minha posição quanto ao tema de apropriação, seja no sentido material ou de autoafirmação. Isso reflete na valorização de um povo que ao longo de muitos anos vem sendo oprimido de todas as formas pelo sistema. Em segundo lugar, eu estava curioso para observar o entorno. O que acham as pessoas sobre isso. Muitas delas, inclusive, sendo representadas pela Marcha.



















Pois bem... Ouvi muitos comentários. E evitei dialogar com as pessoas que externavam sua opinião (muitas vezes discretamente), exatamente para que eu pudesse analisar cada teor das diversas frases. 

Percebi gestos de apoio. Carros buzinando em favor, punhos em riste e alguns sorrisos de motoristas que queriam demonstrar empatia com o movimento. 

Alguns apartamentos no centro do Recife com pessoas demonstrando estarem favoráveis à marcha, com bandeiras sociais de lutas históricas e/ou recentes colocadas nas varandas. Sinais positivos. Aplaudindo a movimentação. Até instrumento foi notado na mão da moradora de um dos apartamentos, completando o cenário de apoio. 

Nas ruas, ouvi uns comentários não muito agradáveis de ouvir. Mas eu estava ali preparado para perceber as posições contrárias. 

Em um dos trechos da Avenida Conde da Boa Vista onde a marcha parou, cheguei num fiteiro, fui comprar uma garrafinha d’água e uma senhora me atendeu. Enquanto me atendia, observava tudo. E quando me deu o troco, comentou: 

“O pessoal quer protestar por tudo agora.” 

Agradeci, dei uns passos à frente e segui olhando o movimento e ouvindo os comentários. Ali perto, uma moça comentava pelo celular: 

“Acho que vou me atrasar porque o trânsito tá parado aqui na Conde da Boa Vista. Tem protesto.” 

A pessoa com quem ela conversava deve ter perguntado o motivo do protesto, porque ela, discretamente, respondeu:

“Sei lá. Tem um monte de neguinho aqui.” 


















Após o comentário e uma risada discreta, ela olhou em volta para ter certeza de que ninguém tinha ouvido e deve ter percebido que eu poderia ter escutado o comentário, porque logo em seguida atravessou a rua e sumiu. Ainda naquele mesmo lugar, um senhor que aguardava um ônibus, se aproximou e, ao ler os cartazes e a faixa, comentou: 

“O povo faz protesto por qualquer merda agora.”

Caminhei um pouco mais pro meio da avenida e percebi que dentro de um dos ônibus parados, algumas pessoas batiam nas laterais, acompanhando os gritos de ordem contra o racismo. Pessoas que repetiam os cânticos de enfrentamento. Outras, no entanto, estavam visivelmente insatisfeitas. Na rua tinha um senhor numa bicicleta, que observava curioso o pessoal, exatamente na hora em que estavam sambando coco. Ele me viu, chegou perto e perguntou: 

“Isso é o que?”

Eu respondi de forma simples: 

“é um protesto contra o racismo.”

Ele olhou pra mim e respondeu na mesma simplicidade:

“Aí tá certo. Esse protesto eu apoio.”

Esse senhor acompanhou todo o momento enquanto a marcha estava parada. Quando o pessoal deu prosseguimento à caminhada, ele tomou seu rumo, mas com admiração nos olhos. Ao chegar ao cruzamento da rua da aurora, prestes a atravessar a ponte Duarte Coelho, nova parada. Esse foi o momento mais desafiador. Ali eu sabia que os comentários seriam mais intensos. O engarrafamento aumentou. Alguns ônibus, carros e motos voltavam para tentar algum atalho numa rua paralela. Pessoas foram descendo do ônibus para atravessar a ponte. Um grupo de jovens roqueiros (pelo menos estavam vestidos assim) de, no máximo, 17 anos, passava pelo local e um deles comentou com os amigos: 

“Isso era bom o batalhão de choque pra dar pancada em todo mundo.” 

Uma moça passou com uma amiga e, ao ler a faixa e o motivo da marcha, comentou:

“Eu tava reclamando, mas isso aí é pra me defender também.”

Um casal homossexual passou e um deles, visivelmente chateado disse: 

“Quando vê isso, ninguém aí nem sabe quem foi Mandela.”

O curioso é que entre os gritos da Marcha, estava também a luta contra a homofobia. 

Atravessando a ponte Duarte Coelho, a marcha seguiu seu rumo, atravessando também a ponte Maurício de Nassau, fazendo a culminância na Praça do Marco Zero. 

A Marcha aconteceu, os comentários (favoráveis e contrários) também aconteceram e a vida segue. Sem baixar a guarda. Porque nem no período da escravidão “legalizada”, as pessoas desistiram de lutar. Agora não seria diferente. 

Autoafirmação sempre! 

André Agostinho / radioculturaviva.com






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